terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Manhã corroida

 Posso passar a mão nos seus cabelos? Ainda não são oito horas da manhã e a luz fria já atravessou a persiana, lavou o quarto. Não sei se estou pronta para sair desse retângulo quente, prefiro me perder entre fronhas e lençóis. Já me encontro absorta na preguiça matutina, esse meio termo entre realidade e sonho. Ficaria no imaginário, se você não me prendesse na sua realidade. E quem sabe, se eu não enrolasse meus dedos nos seus fios, deixaria de ser engolida pelo cotidiano, sempre faminto. Prometo não perturbar seu sono.
 Ficaria horas me perdendo nos seus cantos e entranhas, mas a maldita manhã finita corrói nossos momentos. Reduz nossas palavras a formas geométricas, secas e pontiagudas. Todo sentimento evapora no segundo da pronunciação. E nos atiramos nessa corrida contra o tempo, atrás dessa fração fugaz. Inevitavelmente vencidos, caímos pela estafa. Só nos resta a nostalgia futura. A paixão é volátil.
 No entanto, se esticarmos esse segundo para minutos, horas, dias e, quem sabe, anos? Uma vida. Jazeríamos extasiados e abraçaríamos o amor com alegria travessa por ter desejado demais, quebrado o limite. Iria comigo? Os celulares ficam. Morrer para o mundo, para todos. Viver para nós. Retroalimentação sentimental. Transitar nos sonhos e corpos um do outro. Sentir seu sal na minha boca, nossos perfumes misturados e toques eternizados.
 Não acorde ainda! Façamos o seguinte: fecho as persianas e você, seus olhos. O relógio já marca onze horas, vivemos o resquício da manhã. Talvez seja possível se esquivar da realidade, prorrogar esse acordar por mais algumas horas. Sentir o gosto do sonho que nunca alcançaremos.