Maíra levantou da cama com o quarto abafado. Passou a manhã toda escutando música e olhando o teto. Seu corpo era todo sono. Cheiro de pijama usado, cheiro de preguiça. Não tomaria banho tão cedo. Aquilo tudo era muito luxurioso para se perder com sabão. Ficaria suja na outra metade do dia. A única coisa que a fazia levantar era a fome (ou a vontade de comer) e foi à geladeira saciá-la.
O apartamento, todo de madeira, parecia pomposo e distante, mas era aproximar os olhos na superfície dos móveis e perceber a camada de poeira. Tudo tinha ficado mais cinza do que realmente era. Não que isso fizesse alguma diferença para ela. Não era alérgica. Que tudo se acabasse em branco de tanto pó! Limpava-os só quando acordava disposta, o que acontecia regularmente a cada 2 meses. Fora isso, só a cozinha e o banheiro tinham o privilégio da atenção.
O barulho do hamster se sobrepunha ao da música. Era um rói-rói eterno, sem pausa. Maíra franzia o cenho praquele pedaço de animal toda vez que o via. Não passava de problema em forma de roedor. Comia e bebia o pouco dinheiro que ela tinha para gastar com futilidade. Toda vez que renovava a comida e a água, que limpava a caixa com a sua sujeira, que lhe dava banho, ela pensava em se desfazer do pobre coitado. Seria a última vez que veria seu dinheiro sendo cagado por um rato! Mas não se desfazia dele, naturalmente. Vivia tão sozinha em casa que provavelmente choraria uma semana se acontecesse algo com ele.
Chegou a cozinha e ignorou a louça de copos. A geladeira estava vazia e tinha chegado naquele estágio esquisito com coisas esquisitas: um pedaço de melancia, um pote de nozes, uma panela de arroz e presunto. Não faria nenhuma refeição decente com aquilo, então pegou a travessa de presunto e começou a comê-los. Fazia rolinhos e enfiava na boca, um trabalho de durava 5 minutos. Brincava com a comida quando ninguém olhava.
Voltou pra cama lambendo o sal dos dedos, um por um: uma versão pobre de Amélie Poulain. Riu sozinha da própria ideia. Caiu na cama e ali ficou, escutando a mesma música pela centésima quarta vez. Fitou o sol caindo sobre o quintal e percebeu que nunca mais seria tão feliz quanto naquele dia.
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Todos merecem palavras reconfortantes em meio a esse mar de indiferença.